Afeto e limites
Em novo livro, o psicólogo Ivan Capelatto responde sobre os desafios atuais para a educação infantil.
Fabiana Caso - O Estado de S.Paulo

No século 21, a missão de educar tornou-se mais complexa. Pais e mães, com agendas repletas de compromissos, têm um tempo cronometrado para os filhos. A tecnologia e o excesso de informações são alguns monstros contemporâneos. O psicólogo Ivan Capelatto, de 57 anos, especializou-se exatamente nessa seara da educação infantil, tema que discute em seu novo livro Diálogos da Afetividade (Papirus).

Em forma de pergunta e resposta, esclarece as principais dúvidas e conclui: tem faltado aos pais modernos a troca de afeto genuíno e a imposição de limites na educação dos filhos. Tarimba no assunto não falta ao psicólogo que, hoje, reside em Campinas. Nascido em Rio Claro, São Paulo, é mestre em Psicologia, foi professor universitário e lecionou nos Estados Unidos. Hoje, tem um consultório onde atende pais e adolescentes, com ênfase na terapia de família.

Casado e pai de dois filhos adultos, curiosamente, ele foi criado por instituições e por famílias diferentes depois da separação dos seus pais, quando tinha apenas 1 ano. Mas diz que foi muito amado e cresceu com a auto-estima forte, por isso que escolheu essa área de especialização na carreira.

Para Ivan, a única solução para o impasse moderno é o investimento na família. "Temos que fazê-la valer de novo, essa é a única esperança." Elogia o surgimento do movimento discreto de mães, e mesmo de pais, que estão largando os empregos e voltando para casa com o intuito de cuidar dos filhos.

No caso da educação infantil, de que maneiras o medo pode sabotar o bom relacionamento?
O medo da perda é a metáfora do amor, como ele se faz dentro de nosso psiquismo. Apego sempre vem unido ao medo de perder. O simples fato de saber disso já ajuda o sujeito a entender porque brigamos tanto com quem amamos muito. Quanto às crianças, devemos ter sempre em mente que, frente a qualquer frustração, uma criança normal e saudável sempre vai reagir de maneira raivosa, chorosa ou agressiva. Cabe ao cuidador ou educador saber suportar essa reação normal.

Quais são os principais dilemas vivenciados pelos pais na educação infantil atualmente?
A dúvida sobre os limites: não saber exatamente distinguir entre isso e autoritarismo. Têm medo de sentir culpa e não sabem se é justo impor limites quando se sentem ausentes. Os pais são bombardeados pela mídia e pela escola com a idéia de impor limites, mas ninguém lhes dá a dimensão justa e ética do que é isso e de qual é a sua real função psicológica.

Quais são os riscos da falta de limites?
Como disse anteriormente, o excesso de informações contraditórias sobre o tema confunde os pais, que também se sentem culpados por sua ausência no convívio com os filhos. Alguns pensam: "tenho que tirar o prazer do filho justamente na hora em que estou com ele?" Geralmente, os pais também não querem ouvir os choros e gritos que o limite provoca. Mas a ausência de limites produz a prevalência das pulsões do sistema límbico sobre o ego, o que resulta na perda do juízo crítico, o superego. Isso não cria auto-estima, o que acarreta em futuros transtornos de personalidade: desde uma depressão até um desgostoso transtorno de conduta, que pode incluir perversão.

A televisão e a internet bombardeiam as crianças com informações nem sempre adequadas ou pertinentes. Como os pais devem agir? Quais são os limites sensatos sem cair no extremismo?
A TV e a internet são mundos virtuais, com informações pontuais que geralmente não têm profundidade nem seriedade. Assim, a supervisão dos pais deve acontecer, com limites: determinando horas para que a criança possa ter acesso ao seu desenho, ao seu programa ou site permitido.

Hoje vivemos num mundo de pais separados. Qual é a melhor maneira de agir para não prejudicar o relacionamento do filho com cada um deles?
Não deveríamos falar em separação de pais e sim em separação do casal. Quando os pais se separam, isso já significa que envolveram ou vão envolver os filhos, seja por mágoa do ex-parceiro, para agredi-lo ou tentar culpá-lo. Envolver os filhos na separação pode e certamente vai gerar muitos problemas, desde pequenas culpas e conflitos até grandes depressões ou psicoses. Os pais que estão se separando devem receber assistência psicológica para preservarem os filhos.

Quais são as seqüelas mais comuns no caso de separações que afastam o filho do convívio com um dos pais?
Depende muito da idade e da fase de desenvolvimento em que a criança está. A fase mais crítica é entre os 4 anos e meio e os 11 anos, quando a sexualidade se estabelece psiquicamente. Os prejuízos são maiores para a criança que se afasta do pai de mesmo sexo. A melhor maneira é a prática da guarda compartilhada, com supervisão profissional. As crianças devem continuar tendo acesso ao genitor que não mora na mesma casa. Recomendo que o casal sempre procure um terapeuta ou outro profissional para aliviar o peso e para não usarem o filho como moeda. Eles devem colocar o filho como algo sagrado, que não deve ser envolvido na separação. Alguns juízes de cabeça boa têm exigido que o casal procure ajuda psicológica.

Em tempos de consumismo desenfreado, como os pais podem dar um bom exemplo?
Sempre o bom e velho limite. Os pais também precisam da consciência de que eles próprios têm que moderar o apetite pelo consumo. Mas o melhor para as crianças é o respeito às datas para se ganhar presentes, como Natal, aniversário, dia da criança, etc.. e ouvir "não" sem muitas explicações lógicas, racionais, sociológicas ou religiosas.

Os pais estão delegando para as escolas a tarefa de educar os filhos e incutir os valores certos?
Infelizmente isso é verdade. Os pais cobram da escola condutas que lhes pertencem e, muitas vezes, a escola faz o processo inverso. O problema é que valores externos à família e à escola invadiram nossas crianças e nossos adolescentes. Entre eles, estão a sexualidade exacerbada, a crise dos gêneros, as drogas e o álcool como solução para a angústia, a agressividade como valor de sobrevivência, o consumo compulsivo e o culto ao corpo. E a família perdeu o controle sobre sua prole e cobra da escola soluções que não têm. Tanto família como escola deveriam encontrar-se mais, conversar mais e perceber melhor o que as crianças têm recebido como valores do mundo externo - da internet, TV e modismos. Escola e família devem ficar com a área que cabe a cada uma, unidas no fim comum que é cuidar da melhor maneira possível da criança.

Afinal, quais são os papéis da escola e dos pais?
Aos pais, cabe a formação da identidade do sujeito social, que aprende e vai ter um papel fora de casa. A escola pega o que os pais produzem e geram um conhecimento intelectual. Mas as crianças vão para a escola sem senso crítico, sem limites. O papel dos pais é impor limites, dar uma referência afetiva. Eles começaram a tratar os filhos como se fossem árvores: só regam. Põem o filho no mundo e arrumam um bom pediatra, uma TV de plasma, uma boa babá, uma boa escola. Trabalham e, quando chegam em casa, dão tudo o que o filho quer, e a criança começa a sentir os pais como estranhos. Ele vai pedindo produtos, mas no fundo o que está pedindo é afeto e limites. Os adultos acham que a educação pode ser terceirizada, pagando-se uma escola cara. Esse é o engodo do século 21. Se investe muito em aprendizagem, cursos de idiomas e outros conhecimentos, mas tão pouco na imposição de limites e no afeto genuíno. Quando a criança não tem um relacionamento significativo com os pais, não consegue desenvolver relacionamentos significativos com os outros e não tem nem amigos, apenas parceiros de prazer. Por isso cresce o consumo de drogas e, hoje, há tantas psicoses entre adolescentes. Esse esquema de educação não faz nascer o ser humano.

Nesse cenário de sobrecarga de trabalho, informações e atividades, como garantir a qualidade da vida doméstica e da educação dos filhos?
Nos momentos em que os pais estão com os filhos, mesmo cansados, é bom lembrar da enorme e vital importância dos pequenos para eles. Estar junto precisa ser uma coisa gostosa, lúdica, de preferência sem TV, sem trabalho levado para casa, com histórias para contar, brinquedos ou brincadeiras, afinal, vamos lembrar que é por pouco tempo. E deve-se sempre manter o bom e vital limite: "agora vamos jantar, escovar os dentes e dormir."

Quais seriam os principais desafios dos pais contemporâneos?
O tempo para estar com os filhos. Há um índice da Organização Mundial da Saúde que aponta apenas 5% da população como realmente lúcida. Estamos correndo muitos riscos e temos que prestar mais atenção às pessoas de nosso mundo próximo. Porque nem tudo é bonito como os carros importados e os móveis caros. Temos que sair um pouco do prazer imediato e reconstituir a família.

Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,afeto-e-limites,61269,0.htm